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DESAPARECIDOS

Por Marta Negreiros e Melissa Carvalho

Sem deixar rastros

Sumiço, fuga, ausência. O desaparecimento pode ser caracterizado de formas diferentes na sociedade, mas sempre deixa o mesmo sentimento para a família: a dúvida. Dona Cleide convive com a dúvida há 15 anos, quando seu irmão, José Ribamar Lopes Santiago, desapareceu. Era divorciado, tinha três filhos e morava sozinho. Quando desapareceu tinha 45 anos, hoje Ribamar teria 59. Mesmo depois de tanto tempo, a família ainda procura uma resposta.

 

O vício em álcool o perseguiu por anos, quando conseguiu parar de beber apresentou fortes traços de transtornos emocionais. Ribamar costumava visitar sua irmã Ana todas as manhãs, mas em um domingo de setembro de 2003, ele não apareceu. A janela aberta foi o rastro deixado, antes de ser visto pela última vez no bairro Curió. Um dia depois do desaparecimento, as buscas começaram. A família fez o Boletim de Ocorrência (BO) em delegacia uma delegacia próxima à Lagoa Redonda, local do desaparecimento. O boletim não surtiu efeito, deixando a investigação nas mãos dos parentes próximos.

 

Ribamar faz parte da estatística de desaparecidos do Ceará. O desaparecimento no Estado não tem um registro único, o que dificulta o controle desses casos por parte das autoridades. O último dado foi divulgado em 2015, pela Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), e mostrou que nos últimos dez anos 1.231 pessoas foram dadas como desaparecidas. Depois dessa informação, pouco foi noticiado sobre pessoas desaparecidas, não existia um órgão específico para cuidar desse tipo de caso. Em agosto deste ano, os casos de desaparecimento começaram a ser investigados pela 12º delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).  

 

A falta de dados sobre desaparecidos ocorre por causa dos vários canais de denúncia. Segundo Arlete Silveira, delegada do 12º Departamento, o BO do desaparecimento pode ser feito em qualquer delegacia, e as redes de proteção do Estado, como o Conselho Tutelar, o Centro de Referência de Assistência Social do Brasil (CRAS) e o Centro Especializado de Assistência Social (CREAS), também realizam uma busca ativa nesses casos. A falta de um cadastro único dificulta o controle sobre os desaparecimentos. “São várias portas de entradas, a nossa ideia é articular todo mundo para a gente passar a unificar e compartilhar essa informação”, esclarece a delegada.

 

A esperança mantém a família de Ribamar forte. Ana e Cleide insistem em encontrar o irmão, uma vontade que era compartilhada com a mãe, falecida há oito anos. O filho de Ribamar é caminhoneiro, e por onde passa, procura o rosto de seu pai. “Mesmo fazendo tanto tempo que ele sumiu, a gente ainda tem esperança e tem gente que critica. Dizem que é perda de tempo, que ninguém acha mais, que ele já está morto. A gente sente falta dele e queremos encontrar, vivo ou morto”, enfatiza dona Cleide. A televisão tem dado visibilidade ao caso. Dona Cleide participa do “Desaparecidos”, quadro do CETV 1° edição, jornal diário exibido pela TV Verdes Mares. O quadro vai ao ar há cada 15 dias, e é gravado em algum local de Fortaleza, como a Praça da Criança, localizada no Centro.

"A gente sente falta dele e queremos encontrar, vivo ou morto"

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Dona Cleide e imagens antigas de seu irmão desaparecido, Ribamar.

Investigação local

A 12 ° Delegacia do DHPP ainda está em construção. Atuando desde agosto, já conseguiu solucionar alguns casos. Arlete explica um pouco sobre o trabalho da Delegacia e as parcerias com os órgãos do Estado.

Desaparecimento social

Nem todas as pessoas desaparecidas são vítimas, por isso que nem todos os casos são considerados crimes. A situação do desaparecimento é categorizada de acordo com vários aspectos. Para ser considerado crime, o desaparecimento precisa estar relacionado à um homicídio ou ameaça. “A gente observa o desaparecimento dentro daquelas vulnerabilidades, daquelas evidências do homicídio. Aquela pessoa começa a sumir do contexto, até desaparecer, e depois ela vai acabar sendo encontrada morta”, explica Arlete Silveira.

 

O desaparecimento social retrata outra situação, está relacionado à escolha do indivíduo. De acordo com a delegada, quando se trata de uma criança, não há escolha, e o desaparecimento mostra falta de vigilância dos responsáveis. Quando o indivíduo chega à adolescência, outras questões são consideradas. “Você encontra a questão comunitária, individual, constitucional e familiar. A gente vai tentar mediar, para prevenir um futuro desaparecimento. Às vezes, tem um conflito familiar tão forte, que se aquela menina ou aquele menino voltar ao núcleo familiar, vai fugir novamente e vai estar em vulnerabilidade”, confessa.

 

Independente da situação, o desaparecimento causa um impacto na família e no contexto em que a pessoa vive. A delegada acompanha casos de familiares de pessoas desaparecidas, percebe a dor em encontrar um parente morto, mas também entende a agonia da ausência.  “Desaparecimento eu digo que é pior, quando você tem um homicídio você tem um luto. Mas no desaparecimento, nem o luto você tem, você tem a dúvida”, acrescenta.

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Gráficos disponibilizados pela 12° delegacia do DHPP.

Trotes e redes sociais

A exposição da história do desaparecimento do irmão de Dona Cleide, através do CETV, já a levou a diversos caminhos errados na busca pelo irmão. A família foi, e ainda é, vítima de muitos casos de trote. “As pessoas assistem o programa  e distorcem as informações, nos dá esperança, mas nunca chegou nada real. Claro que tem algumas pessoas que realmente querem ajudar, mas muitos só querem fazer maldade mesmo”, afirma.

 

O uso das redes sociais, como veículo de divulgação de informações de um desaparecimento, também pode potencializar as buscas. A família do jovem João (nome fictício), 19 anos, conseguiu encontrá-lo quatro dias depois do seu sumiço e usou de aplicativos, como Instagram e Facebook, na busca pelo jovem. Por causa da vasta divulgação, assim como no caso de dona Cleide, a família de João também foi vítima de trotes. “Dificultou bastante as buscas. Além do cansaço das pessoas, tinha a frustração de não encontrar. Quando o caso saiu na televisão houve telefonemas sugerindo que alguém estaria com ele e iriam colocar fogo no corpo se não houvesse negociação, coisas horríveis para acontecerem em um momento tão delicado”, conta Diane Xavier, prima de João que acompanhou de o caso de perto.

 

Apesar dos trotes, a internet foi a grande aliada da família de João. O estudante saiu de casa em uma noite de sexta-feira para uma festa na sua cidade, Russas, localizada no Vale do Jaguaribe, interior do Ceará, e não voltou para a casa no dia seguinte. Imediatamente a família foi a Delegacia de Russas e prestou BO, mas o que realmente fez diferença no caso foi a mobilização nas redes sociais. João foi encontrado por um caminhoneiro em Pernambuco, quase chegando na cidade de Recife, muito assustado e desorientado. O motorista reconheceu o jovem pelas fotos que estavam sendo divulgadas na internet. “As redes sociais realmente ajudaram a localizá-lo, foi uma corrente muito grande, inúmeras pessoas que nem o conheciam compartilhando e ajudando a procurar na cidade e em diversos outros lugares”, relembra Diane.

 

Muitos grupos no Facebook direcionados a divulgação de pessoas desaparecidas dão suporte para as famílias. Essa prática está ficando cada vez mais comum, um exemplo disso é o grupo “Divulgando Pessoas Desaparecidas, Desencontradas e Prevenções”, criado por Ana Paula Saldanha, 41 anos, que mora em Fortaleza e procura seu irmão, Amadeu Saldanha Neto, desaparecido desde 2011. A página conta com quase 6 mil membros e vem criando parcerias com páginas e ONG’s de todo o Brasil,  como a “SOS desaparecidos” de Santa Catarina e a ONG paulista “Mães da Sé”.

 

Ana Paula revela que sempre acompanha os casos e, geralmente, entra em contato com a família que procura o grupo para orientar nas divulgações e no procedimento das primeiras 24 horas, tudo de maneira voluntária. “Procuro manter as informações atualizadas. Sempre coloco a fonte e tenho muito cuidado com cada informação repassada, para que não venha prejudicar nenhuma das partes”, garante.
 

"As pessoas assistem o programa  e distorcem as informações, nos dá esperança, mas nunca chegou nada real"

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Postagem divulgada nas redes sociais da família de João.

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Amadeu Saldanha Neto, irmão de Ana Paula Saldanha.

Cadastro único

Segundo um estudo realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, nos últimos dez anos, o Brasil registra oito desaparecimentos por hora. Com o intuito de ajudar as forças policiais na troca de informações e agilizar as buscas por essas pessoas, entrou em vigor um projeto de Lei para realização de um Cadastro Único de Pessoas Desaparecidas. A nível nacional, a Câmara de Deputados aprovou a criação do projeto em novembro de 2017 e o processo foi aprovado pelo Senado.

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De maneira geral e como consta no texto reformulado do Senado Federal, o Cadastro é um banco de informações públicas, de livre acesso por meio da Internet, com informações básicas sobre a pessoa desaparecida; e dois bancos de informações sigilosas, um deles contendo informações detalhadas e o outro com informações genéticas da pessoa e de seus familiares. “Às vezes a pessoa nem sempre está desaparecida, apenas perdeu o vínculo. Na Defensoria Pública temos um trabalho muito grande com pessoas em situação de rua. A pessoa briga com os familiares, sai de casa, não tem outra forma de vida, tem vergonha de contar para a família que está desempregado e passa a viver na rua, e isso vira uma rotina. Temos inúmeros casos de população de rua nessa situação. Então, se eu faço um cadastro único federal facilita a localização dessas pessoas”, opina Régis Pinheiro, defensor público.

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Cartaz feito pela família de Ribamar.

Contato

Reportagem produzida para a disciplina de Jornalismo Investigativo 2018.2

Universidade de Fortaleza (Unifor)

Orientação: Adriana Santiago

Marta Negreiros / martanpeixoto@gmail.com

Melissa Carvalho / melissacarv21@gmail.com

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